domingo, 7 de novembro de 2010

barbeiro

BARBEIRO



No dia em que corto o meu cabelo
Sinto-me um anjo monótono e careca
Com o painel de estrelas sempre na mão esquerda
Tentando segurar o aparelho medidor da paciência
Mergulho bucólico e alcoólico
Na banheira antiga e portuguesíssima do Tejo
Sonhando apanhar os pirilampos que diminuem aos olhos
De observador iluminado com que seduzo as meninas
Que vão para a escola
No jogo florido da idade
Imaginar apanhar as bocas que nunca beijei
No dia em que corto o meu cabelo
Sinto um furiosíssimo aquecer abrasar-me as orelhas
Na telepatia surda dos pensamentos alheios
Nostalgicamente vendo as grades dos meus eus
Penteando-se nas retretes escritas no meio da necessidade
E então cabelos já soltos
Rodeiam meus pés na preguiça do fumo do cachimbo de prata
E fantástico das preces minhas sombras, árvores meus anseios
& sonhos na noite já deitados
pondo a escrita em dia na vaga perturbadora
dos não sonhadores
do seu dormir
& em outra comida recomendada por uma caixa metálica
inventa sonhar no meio dos gelados de cimento armado
no deserto planetário e vil do caixote de lixo
onde são deitadas as tentações do dia
com que eu cortei o meu cabelo
que era belo.


Januário

24-11-80

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